terça-feira, 9 de junho de 2015

Educando criancas bilingues, aceitacao social e inclusao.

Leio muitos textos sobre educacao de criancas bilingues, especialmente quando a familia mora em um outro pais, diferente da origem dos pais.

O que eu vou falar aqui é sobre a MINHA experiencia, e sobre o que eu passei e passo hoje. Nao sou especialista ou psicologa, e nao estou dizendo que o meu caminho é o melhor, estou apenas contando como foi a minha vivencia com o bilinguarismo. Acho que algumas coisas deixam de ser faladas, ou sao simplesmente ignoradas.

Falar um outro idioma por morar em um outro pais é necessidade. Manter o idioma dos pais é opcao dos pais e da crianca, sim da crianca tambem, e envolve muito mais do que apenas conversar com ela em seu idioma nativo.

Eu sou descendente de japoneses, nasci e cresci no brasil, minha mae é japonesa "original" e meu pai nasceu no Brasil (segunda geracao, meus avos eram japoneses) mas nao conclui os estudos em escola tradicional brasileira, mas  ele fez parte da primeira turma treinada pelo consulado japones no Brasil para dar aula de japones no pais, ou seja ele é super fluente em japones.

Posso dizer que o meu primeiro idioma foi o japones, pois em casa se falava japones. Meu primeiro contato com o portugues foi quando entrei no parquinho, que era o pre primario daquela epoca, eu tinha em torno de 3-4 anos.

Quando comecei na escolinha, lembro da minha professora pedir para minha mae conversar em portugues comigo, pois ela nao me entendia.
Crianca aprende rapido e logo me adaptei  e comecei a falar portugues.

Ai comeca a guerra dos meus pais, para manter o idioma deles eramos OBRIGADOS a falar japones em casa. Sim, obrigados, pois se dependesse da nossa vontade, nao falariamos e ponto. Neste ponto nao adianta fantasiar, o mudo a nossa volta era em portugues, todos falavam portugues, nos queriamos falar em portugues, a tv era em portugues. Nao viamos a necessidade de usar o japones.
Lembro me da minha irma dizendo "Eu nunca irei pro japao, nao tenho vontade de ir pro japao, nao quero falar japones"

Nos tambem eramos OBRIGADOS a frequentar as aulas de japones, iamos 4 vezes por semana.
 
Eu cresci numa cidade onde a presenca da colonia japonesa era muito forte, metade da populacao deveria ser de descendentes de japoneses, entao, como diz meu marido, eu cresci numa bolha.
A vantagem de morar numa cidade pequena do interior é que todos se conhecem, meu pai sempre foi professor de judo, entao, eu era a filha do sensei de judo, o que me rendeu tambem alguns privilegios (nao sofrer bullying pode ser considerado privilegio?)
Por exemplo, meu sobrenome eh Osako - Oh Saco! imagina o peso desse sobrenome para bullyings e afins, me lembro apenas uma vez, em que um menino fez essa brincadeira comigo, o amigo dele imediatamente o puxou de lado e disse "Voce ta louco, ela é filha do sensei do judo!" Nunca mais ouvi nenhuma mencao ao meu sobrenome...

Sim, cresci numa bolha, numa cidade onde era normal ser japones, e onde os descendentes de japoneses eram muito respeitados, mas mesmo assim passei pela fase de aceitacao, de querer me sentir parte do grupo, de nao querer ser diferente, afinal , eu nao era brasileira?

Queria fazer tudo o que as minhas amiguinhas nao descendentes, ou brasileiras "normais" (nao descendentes) faziam,  coisas simples que nao havia ou nao se fazia em casa, como ouvir a radio!! Ninguem em casa ouvia radio nenhuma, alias acho que a unica coisa normal era assistir novela e o JN, e olha la, o resto da tv eram as fitas Betamax com programas japoneses gravados que circulavam na familia.
Naturalmente, os programas de uma familia descendente de japoneses é diferente de uma familia brasileira, mas como eu queria fazer as mesmas coisas...!

Muitas vezes ouvi "mas os japoneses só andam entre eles" e sim, é a forma que encontravamos para nos sentirmos parte de um grupo, ser aceito e ser igual aos outros, essa fase é importante sim quando voce esta crescendo.


A minha bolha era tao incrivel, que a primeira vez que ouvi a frase "abre o olho japones!" foi ja na faculdade, quando um amigo descendente disse isso brincando a outro descendente. Eu literalmente chorei de rir, e ninguem entendeu, era a primeira vez que ouvia essa frase e pra mim foi muito engracado.


Mas porque estou colocando tudo isso? Recusar-se a falar o idioma dos pais pode ser apenas uma reacao da crianca a o que ela passa socialmente.
Eu nao sofri bullying na infancia, mas mesmo assim me sentia um peixe fora dagua em varias ocasioes. Me lembro que ficava com vergonha do sotaque da minha mae, nao entendia porque as vezes a minha mae nao entendia os recados da escola.
E eu digo isso de um lugar confortavel, nunca passamos necessidade ou algo do genero.

Sei tambem que a maioria das pessoas que eu conheco, mesmo tendo o mesmo background que eu, nao falam fluentemente o japones, porque?
Falar o idioma dos pais, alem de tudo significa aceitar a sua origem. Eu tenho cara de japonesa, desde pequena ouvi meu pai dizer "voce tem cara de japonesa, tem a obrigacao de falar japones". No meu caso nao havia como negar a minha origem, obviamente, sempre fui chamada de japa, japinha e afins.
Sei que muitos descendentes acabam rejeitando a origem e numa forma de revolta acabam simplesmente nao falando o japones.

Devido a obrigacao de falar japones em casa, eu vim para o Japao fluente, mas nao se engane a minha fluencia era no japones coloquial, do dia a dia, para trabalhar tive sim que estudar o japones avancado, principalmente keigo quando cheguei aqui. Me lembro ate de falar para o meu pai "porque voce nao me ensinou keigo?!" rs

Agora vivo a mesma coisa com os meus filhos. Moramos no japao e eles nasceram aqui. Eu quero que ele falem o portugues, e por isso usamos o portugues em casa.
O japao eh um pais muito homogeneo, e da mesma forma que todos sabiam que eu era descendente olhando para mim, eles sabem que meus filhos nao sao japoneses apenas de olhar para eles, pois sao mesticos e principalmente o segundo tem muito mais traços ocidentais que orientais.

Sim, eles falam portugues, tem sotaque? claro que tem sotaque, cometem erros de gramatica? Sim!eles usam a gramatica japonesa na contrucao de frases em portugues.

A mais ou menos 2 anos atras, o portugues deu um salto? porque?! YouTube os os tutoriais de jogos, principalmente o Minecraft, fez com que o vocabulario deles em portugues desse um salto, ate eu me espantava com as palavras que estavam usando, pois nao fazia parte do nosso dia a dia.

Eles tem hoje 8 e 6 anos, e estao no ensino basico. Sinto que o vocabulario em japones deu um salto, e o de portugues esta estacionado, o que é natural.


Esses dias o menor me disse que foi chamado de gaijin na escola, ele ficou tao assustado que nao soube o que responder. Eu tentei fazer a cara mais natural de todas e disse para responder que sim, ele era mestico de japones com brasileiro.  Com 6 anos, nao sabemos exatamente o que significa isto, nem se o amiguinho que disse isto o fez de forma maldosa, ou apenas estava constando que ele tem uma fisionomia um pouco diferente da maioria (o japao é um pais muito homogeneo e as diferencas saltam aos olhos).


Eu sei que eles vao passar por todas as fases que eu passei, todo o processo de aceitacao/negacao que eu tambem passei, mas espero poder apoia-los nesses momentos.

O que eu estou fazendo para ajudar? Coisas que eu nao tive quando crianca, simplesmente porque meus pais nao sabiam ou nao fazia parte da vida social/comum de um imigrante japones no Brasil.

Eu tento sempre me integrar o maximo com as outras maes, para que eu consiga fazer parte das atividades normais das criancas nessa mesma idade, vamos juntos a parques, jantares, saidas e passeios.

Sempre converso com as outras maes e pergunto tudo o que eu nao sei, afinal a escola aqui é bem diferente da escola do brasil.
Participo de todas as atividades da escola, entro em contato com as outras maes sempre que possivel.

Presto atencao nas coisas que sao "modinha" entre as criancas nativas, tento entender e saber o que acontece. Isto é muito importante, pois eu sentia falta disso quando crianca.

Tento nao distoar dos costumes japoneses pelo menos em publico. Sim, criancas querem fazer parte do grupo, se reconhecerem e serem aceitos.

Obentou eu faco "igualzinho"  fariam as maes dos amiguinhos japoneses. Sabores brasileiros sao melhores? Pode ser, mais eu sei como é levar algo diferente dos outros.

Em casa nos somos brasileiros, mas em publico eu evito fazer coisas que os japoneses nao estao habituados. Ja vi varios depoimentos de halfus de japoneses e outras nacionalidades que dizem que passavam muita vergonha e que depois eram alvo de chacota por parte dos amigos quando o pai estrangeiro abracava ou dizia "I love you" em publico.

É importante manter seu costume e cultura, é importante demonstrar seu amor e nao perder a sua essencia, mas nao a todo custo. A crianca tem o direito tambem de decidir o que de bom das duas culturas ela vai absorver e adotar, faz parte da escolha de cada um.

Mas uma coisa eu nao posso negar, se meus pais nao tivessem nos obrigado a falar japones, eu nao falaria 1/4 do que eu falo hoje.

aqui vai o link de uma moca que fala sobre crescer com "mix root" no japao, ela tambem é descendente de japoneses e brasileiros e cresceu no japao, esta em japones, mas vale assistir.
aqui


beijos a todos!